A era de ouro dos fandoms: match perfeito da mídia fragmentada, identidade e consumo

por Fabiano Carvalho, diretor de pesquisa cultural & insights da Monks, e André Alves, escritor, psicanalista e pesquisador de cultura e comportamento, cofundador da floatvibes.
Em um mundo cada vez mais conectado, a descentralização do poder cultural marca uma nova era. Se antes a cultura de massa era monolítica, com estruturas rígidas, agora ela se transforma em um organismo fluido e dinâmico, no qual o que era nicho rapidamente ganha tração com público e se transforma em mainstream. O movimento global, em que a hierarquia dá lugar à conectividade, já é vivido integralmente na cultura dos fandoms.
Todo mundo é fã de algo. Dos doramas às divas pop, dos times de futebol às marcas favoritas. Ser fã pode influenciar profundamente a identidade pessoal, as emoções e os comportamentos. Alguns exemplos disso são: buscas sobre tênis (o esporte) duplicaram depois do lançamento do filme Rivais (Challengers); Kamala Harris e a Lu da Magalu se intitulam BRAT, surfando na alta temporada de verão da Charli XCX; galãs coreanos dos doramas vêm agradando mais que muitos bonitões das novelas brasileiras.
A influência dos fandoms, aliás, vem de longe. E pode até passar despercebida pelo grande público. Vamos lembrar que a franquia megahit Cinquenta Tons de Cinza é um livro derivado de uma fanfic de Crepúsculo. E que Jacob Black, personagem da saga, só existe por conta de uma música do My Chemical Romance, banda que, por sua vez, só existe por conta do 11 de setembro. Fandoms são mesmo um universo inesgotável.
Nos últimos anos, os fandoms transformaram radicalmente a forma como produzimos e consumimos entretenimento. Fangirls, spin-offs, admins, haters, spoilers, stans, fanservice e outros termos desse universo foram incorporados pela cultura de massa. Idolatria e mentalidade de culto passaram a pautar grande parte das nossas relações e transações. Mais que isso, a cultura dos fãs criou e mantém a Internet. Antes que a maioria das pessoas usasse a Internet para qualquer coisa, os fãs a usavam para tudo. Não é por acaso que suas gírias se tornam o vocabulário das mídias sociais, ou suas piadas internas produzem os memes que sustentam nossas coleções de stickers. Suas estratégias de engajamento fomentam a criatividade e também inspiram a ira das redes.
Quando interagimos com objetos culturais, um vínculo emocional é criado. É essa conexão que mantém fãs em torno de marcas, celebridades ou franquias. Quem busca conquistar lealdade pode aprender muito com o que move os fãs.
Se antes uma subcultura existia como forma de oposição à cultura dominante na lógica de tribos urbanas excludentes, hoje, habitamos um tempo diferente em que uma cultura hipernarcisística e a lógica das "marcas pessoais" afetaram significativamente a nossa relação com identidade e pertencimento. Nesse contexto, o Capital Cultural se tornou fonte de sentido, sobretudo através de personalidades (creators, marcas, celebridades) que são elevadas a um patamar sagrado.
E é assim que objetos culturais tornam-se ídolos — ou idols, como dizem os kpopers. E verdadeiros idols são aqueles capazes de construir muito mais que narrativas; criam mitologias próprias (lore). The Eras Tour, Barbiecore, a coreografia de São Amores e o BRAT Summer vêm à mente.
A era de ouro dos fandoms é o match perfeito entre a fragmentação da mídia, o entretenimento crônico, os movimentos identitários e o marketing. Mas talvez a questão central desse shift esteja na relação dos fãs com o engajamento.
A diferença fundamental entre subculturas e fandoms é que os reinos dos fãs denotam adoração, além de identificação. As culturas de fãs são exemplos de culturas participativas, que criam comunidades altamente engajadas. Nesse contexto, os fandoms se consolidam como novos tomadores de decisão, e agora nichos antes marginalizados se tornam protagonistas. Vivemos a Era dos Fandoms, e investigá-la é fundamental para compreender como a juventude se relaciona, se organiza, engaja e, claro, consome.
De todos os legados da Era dos Fandoms, a forma como as pessoas compram e se relacionam com marcas talvez seja uma das maiores transformações. Habitamos um tempo em que (quase) tudo é merch. Para muitos fãs, comprar algo relacionado aos seus objetos-ídolo é o que os torna “fãs de verdade”. Merch é símbolo de status. Merch é uma declaração de estilo. Merch é um marcador de identidade. Merch é uma forma de sinalizar relevância cultural.
Artigo publicado na edição impressa do Propmark.
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